#metoo #estamosjuntas #somosmuitas #nãoestousó #aculpanãoéminha

Ana Isabel - Dragana, 45 anos

Nunca maltraria alguém para me "satisfazer" ou me vingaria por não me darem o que quero


Abuso sexual... início na pré escolar. Estava numa escola que juntava no recreio crianças mais velhas da primária. Havia uma menina mentirosa e falsa que confrontei, ficou minha inimiga e foi dizer mentiras ao irmão mais velho. Fui perseguida nos recreios. Um dia, a "brincar aos médicos", vários meninos mais velhos me tocaram no pipi, lembro-me que gostei e de ter prazer, e de não entender porque os outros/outras não gostavam daquilo. No final fui gozada e humilhada por todos em grupo, para grande espanto meu, percebi que era suposto sentir vergonha mas nem sabia porquê... pois não tinha feito nada de mal.

Durante o período da escola primária. Os apalpões na escola, à força, o riso dos rapazes que se riam do que os outros faziam. Uma professora substituta à qual me queixei do que nos faziam, e que diz em plena sala de aula para todos ouvirem "vocês até gostam, são umas #utas. Sim, isto aconteceu.

Sempre me fui queixando e lutando contra, levando depois porrada de volta por isso. Eu gostava de rapazes e nenhum queria namorar comigo, porque eu era boa aluna e "malhava". Demorei muito tempo a perceber que não é suposto como mulher.

Abuso sexual, perseguição diária, desde a primária até aos 11 anos creio, altura em que tenho memória mais nítida, por um velho vizinho do prédio "amigo" do meu pai. Levava-me a passear à mata... um dia fui com o meu irmão mais novo que se revoltou com algo que não entendi o quê, devia estar a por me as mãos por baixo da saia, essa memoria tenho confusa... depois disto, ouvia-me a entrar no elevador e como morava no andar de baixo, entrava lá dentro. Apalpava-me, um dia voltei-me e apertou-me o pescoço e ameaçou fazer mal aos meus pais. Eu tinha medo de ir pelas escadas e que fosse pior. Todos os dias este terror antes de ir para a escola. Porque não falei aos meus pais? Um dia tentei, e fui gozada por me fazer de vítima pelo meu pai, por andar sempre a choramingar pela casa sem motivo. Não falei. E como também percebia pelo seu discurso machista "as mulheres queixam-se mas muitas vezes são elas que provocam". Ouvi isto aliás, muitos anos mais tarde, como resposta à minha difícil partilha "Está bem Ana, essa foi a tua história, mas muitas vezes as mulheres provocam". Fiquei esclarecida. Hoje como avô diz que não sabia o que faria se alguém fizesse mal à neta, pena que na minha altura me tivesse deixado por minha conta, porque estava mais preocupado em "vergar" a filha feminista.

Secundária. Ataques na rua por grupos de 20 a mim e a amigas. Onde ganhei a alcunha de miss canelada e passei a adorar botas da tropa. Não, não fomos violadas... estamo-nos a queixar do quê também? Os meninos estavam só a brincar. A brincar a atirar à minha amiga ao chão e sentar-se com a breguilha na cara dela a gozar, com mais uns 20 a rir porque isso é bué engraçado. Lembro-me de a ir defender com todas as forças, e de gritar para um do grupo da minha turma, que até gostava de mim, porque não fazia nada. baixou a cabeça. Mais tarde na escola só lhe sussurrei ao ouvido "cobarde".

Mais, sempre que me neguei a namorar com um destes atrasados mentais, fui chamada de "deves ter a mania", e gozada, humilhada na rua por TODOS, que era feia, etc. que nem para #oder servia. E porquê esta raiva? Porque os olhava na cara e não mostrava medo. Todos os dias chegava a casa a chorar, e todos os dias o meu pai gozava comigo. Um dia pedi lhe ajuda e ele respondeu que tinha de me aprender a defender sozinha. Com certeza papá. Sou psicóloga, mãe solteira e uma guerreira do caraças. "Ah Ana, devias ser mais feminina..."- se os homens e rapazes da altura e de agora, defendessem quem eu fui e às outras, ao invés de serem cobardes ou coniventes, talvez desse para o ser, mas por acaso escolhi sobreviver, um capricho meu.

O nojo dos homens das obras, que nos fazem sentir violadas e em perigo quando nem temos ainda idade para perceber aquele discurso. quando ainda nem demos um beijo, como se nos estivessem a preparar sabe Deus para o quê... alguns amigos dos pais que de repente crescemos e deixamos de ser as meninas, e falam de nós olhando de cima a baixo "já ia", com comentários nojentos e piadinhas como se nós não entendêssemos a conivência dos nossos pais. Os próprios pais que mesmo não sendo "porcos" também começam a elogiar as nossas amigas, como se de repente fossemos todas carga, produto. Um nojo muito grande, um desespero muito grande, o não saber para onde fugir porque NÃO HÁ LUGARES SEGUROS para muitas de nós. Autocarros, metros, os roçanços nem falo, a vergonha de não saber se trás de nós está um pau quente ou outra coisa qualquer... só de me lembrar arrepio-me e sinto vontade de chorar. Com pena da menina que sabe que se levantar a voz vai ser castigada pelo público, porque a culpa é sempre "nossa" e eles saem sempre impunes. A vergonha de não ter gritado. O medo de pedir ajuda e de ser traída por quem me deveria ajudar, como tantas vezes aconteceu...

Aos 13/14 ia perdendo os três com um homem da minha família, com consentimento meu, porque me tratava como pessoa e me ouvia desde que eu era miúda. Olhando para trás, estava a preparar terreno para quando eu crescesse. O entrar-me na casa da banho quando eu estava a fazer chichi, sem querer, deveria ter-me chamado a atenção, mas ficava sempre na dúvida... ele era mais velho e bastante atraente.. sim, nem todos os abusadores são horríveis... há de tudo. Demorei muito tempo a partilhar, pois calculei que tratada como porcaria como já era pela família, cambada de bulys machistas, o mais provável era ainda acharem que estava a mentir ou que obviamente, o tinha provocado.

Mais tarde como jovem adulta, também ser perseguida na rua e atacada por trás, por homens que saltam sabe Deus de onde, a dizer "vocês gostam", houve um que me safei porque o convenci que tinha amigos atrás de mim a chegar que o matariam.  Amigos... tirando algumas excepções de homens que sei que me amaram e tiveram compaixão pela minha história, esses "amigos" são na sua maioria os machistas que acham que falar das mulheres como se fossem objectos é engraçado. Confundem desejo sexual com abusar do outro. Desejo tenho eu e nunca maltraria alguém para me "satisfazer" ou me vingaria por não me darem o que quero. Isso é abuso. Ter de explicar isto é agonizante.





... a menina que sabe que se levantar a voz vai ser castigada pelo público, porque a culpa é sempre nossa.

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