Nunca maltraria alguém para me "satisfazer" ou me vingaria por não me darem o que quero
Abuso sexual... início
na pré escolar. Estava numa escola que juntava no recreio crianças mais velhas
da primária. Havia uma menina mentirosa e falsa que confrontei, ficou minha
inimiga e foi dizer mentiras ao irmão mais velho. Fui perseguida nos recreios.
Um dia, a "brincar aos médicos", vários meninos mais velhos me
tocaram no pipi, lembro-me que gostei e de ter prazer, e de não entender porque
os outros/outras não gostavam daquilo. No final fui gozada e humilhada por
todos em grupo, para grande espanto meu, percebi que era suposto sentir
vergonha mas nem sabia porquê... pois não tinha feito nada de mal.
Durante o período da
escola primária. Os apalpões na escola, à força, o riso dos rapazes que se
riam do que os outros faziam. Uma professora substituta à qual me queixei do que
nos faziam, e que diz em plena sala de aula para todos ouvirem "vocês até
gostam, são umas #utas. Sim, isto aconteceu.
Sempre me fui queixando
e lutando contra, levando depois porrada de volta por isso. Eu gostava de
rapazes e nenhum queria namorar comigo, porque eu era boa aluna e
"malhava". Demorei muito tempo a perceber que não é suposto como
mulher.
Abuso sexual,
perseguição diária, desde a primária até aos 11 anos creio, altura em que tenho
memória mais nítida, por um velho vizinho do prédio "amigo" do meu
pai. Levava-me a passear à mata... um dia fui com o meu irmão mais novo que se
revoltou com algo que não entendi o quê, devia estar a por me as mãos por baixo
da saia, essa memoria tenho confusa... depois disto, ouvia-me a entrar no
elevador e como morava no andar de baixo, entrava lá dentro. Apalpava-me, um
dia voltei-me e apertou-me o pescoço e ameaçou fazer mal aos meus pais. Eu
tinha medo de ir pelas escadas e que fosse pior. Todos os dias este terror
antes de ir para a escola. Porque não falei aos meus pais? Um dia tentei, e fui
gozada por me fazer de vítima pelo meu pai, por andar sempre a choramingar pela
casa sem motivo. Não falei. E como também percebia pelo seu discurso machista
"as mulheres queixam-se mas muitas vezes são elas que provocam". Ouvi
isto aliás, muitos anos mais tarde, como resposta à minha difícil partilha
"Está bem Ana, essa foi a tua história, mas muitas vezes as mulheres
provocam". Fiquei esclarecida. Hoje como avô diz que não sabia o que faria
se alguém fizesse mal à neta, pena que na minha altura me tivesse deixado por
minha conta, porque estava mais preocupado em "vergar" a filha
feminista.
Secundária. Ataques na
rua por grupos de 20 a mim e a amigas. Onde ganhei a alcunha de miss canelada e
passei a adorar botas da tropa. Não, não fomos violadas... estamo-nos a
queixar do quê também? Os meninos estavam só a brincar. A brincar a atirar à minha
amiga ao chão e sentar-se com a breguilha na cara dela a gozar, com mais uns 20
a rir porque isso é bué engraçado. Lembro-me de a ir defender com todas as
forças, e de gritar para um do grupo da minha turma, que até gostava de mim,
porque não fazia nada. baixou a cabeça. Mais tarde na escola só lhe sussurrei
ao ouvido "cobarde".
Mais, sempre que me
neguei a namorar com um destes atrasados mentais, fui chamada de "deves
ter a mania", e gozada, humilhada na rua por TODOS, que era feia, etc. que
nem para #oder servia. E porquê esta raiva? Porque os olhava na cara e não
mostrava medo. Todos os dias chegava a casa a chorar, e todos os dias o meu pai
gozava comigo. Um dia pedi lhe ajuda e ele respondeu que tinha de me aprender a
defender sozinha. Com certeza papá. Sou psicóloga, mãe solteira e uma guerreira
do caraças. "Ah Ana, devias ser mais feminina..."- se os homens e
rapazes da altura e de agora, defendessem quem eu fui e às outras, ao invés de
serem cobardes ou coniventes, talvez desse para o ser, mas por acaso escolhi
sobreviver, um capricho meu.
O nojo dos homens das
obras, que nos fazem sentir violadas e em perigo quando nem temos ainda idade
para perceber aquele discurso. quando ainda nem demos um beijo, como se nos
estivessem a preparar sabe Deus para o quê... alguns amigos dos pais que de
repente crescemos e deixamos de ser as meninas, e falam de nós olhando de cima
a baixo "já ia", com comentários nojentos e piadinhas como se nós não
entendêssemos a conivência dos nossos pais. Os próprios pais que mesmo não
sendo "porcos" também começam a elogiar as nossas amigas, como se de
repente fossemos todas carga, produto. Um nojo muito grande, um desespero muito grande,
o não saber para onde fugir porque NÃO HÁ LUGARES SEGUROS para muitas de nós.
Autocarros, metros, os roçanços nem falo, a vergonha de não saber se trás de
nós está um pau quente ou outra coisa qualquer... só de me lembrar arrepio-me e
sinto vontade de chorar. Com pena da menina que sabe que se levantar a voz vai
ser castigada pelo público, porque a culpa é sempre "nossa" e eles
saem sempre impunes. A vergonha de não ter gritado. O medo de pedir ajuda e de
ser traída por quem me deveria ajudar, como tantas vezes aconteceu...
Aos 13/14 ia perdendo
os três com um homem da minha família, com consentimento meu, porque me tratava
como pessoa e me ouvia desde que eu era miúda. Olhando para trás, estava a
preparar terreno para quando eu crescesse. O entrar-me na casa da banho quando
eu estava a fazer chichi, sem querer, deveria ter-me chamado a atenção, mas
ficava sempre na dúvida... ele era mais velho e bastante atraente.. sim, nem todos
os abusadores são horríveis... há de tudo. Demorei muito tempo a partilhar,
pois calculei que tratada como porcaria como já era pela família, cambada de
bulys machistas, o mais provável era ainda acharem que estava a mentir ou que
obviamente, o tinha provocado.
Mais tarde como jovem adulta, também ser perseguida na rua e atacada por trás, por homens que saltam sabe Deus de onde, a dizer "vocês gostam", houve um que me safei porque o convenci que tinha amigos atrás de mim a chegar que o matariam. Amigos... tirando algumas excepções de homens que sei que me amaram e tiveram compaixão pela minha história, esses "amigos" são na sua maioria os machistas que acham que falar das mulheres como se fossem objectos é engraçado. Confundem desejo sexual com abusar do outro. Desejo tenho eu e nunca maltraria alguém para me "satisfazer" ou me vingaria por não me darem o que quero. Isso é abuso. Ter de explicar isto é agonizante.
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