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SG, 36 anos

Somos onde podem invadir, usar, despejar


Em pequena passava umas tardes na casa de pessoas amigas da família, o pai desse agregado tinha uma espécie de obsessão com dar-me banho. Com eu estar suada de brincar. O que a minha mãe e pai achavam uma mania das limpezas. Mais tarde, talvez com 6/7 anos passou a ser o filho, que me apertava e se roçava em mim. E eu criança achava que era carinho, que era normal.

Passaram muitos anos e muitas sessões de terapia, muitas relações em que não sabia porque me sentia invadida, ameaçada, por que motivo era tão difícil sentir prazer na intimidade. Até que fui lá atrás buscar estas memórias, ainda hoje tenho vergonha delas, ainda hoje as escrevo anonimamente. Por não querer ser eu aquela menina que ninguém protegeu nem defendeu.

Ainda hoje convivo com o filho, e tenho pena dele, não lhe guardo raiva sequer, porque vim a intuir que ele passou pelo mesmo ou muito pior com o seu pai e que estará para sempre a fugir desse abuso. Não passei por muitas situações de ser apalpada ou agarrada, era agressiva, odiava rapazes (talvez hoje o veja como é, talvez os temesse e fosse essa a minha defesa).

Anos mais tarde a minha luz acendeu para os abusos, para os comportamentos tóxicos que a sociedade permite que se perpetuem. Tive relações consensuais, em que a retirada de um preservativo não foi de acordo mútuo. Por um sujeito conhecido, bem visto. Que nunca me telefonou e apenas passado um mês passou por mim casualmente e disse: ‘não engravidaste pois não?’

Um suposto amigo ou flirt que quando finalmente entrou na minha casa decidiu que gostava de pancada e me bateu, me pediu que o agredisse. Foi um pesadelo, e o pior? Acho que o pior foi contar a amigas, a mulheres, da minha idade, que me responderam que eu ‘me punha a jeito’ porque saía muito à noite, porque bebia, tomava drogas. Quanto mais ouvi (e ouço) destas coisas mais me revolto. Mais me custa pensar na falta de empatia e respeito que impera com o corpo, com a liberdade e com o ser feminino.


Somos carapaça, depositório, somos onde podem invadir, usar, despejar. E a culpa é nossa. E nós é que não nos deveríamos pôr a jeito.

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