#metoo #estamosjuntas #somosmuitas #nãoestousó #aculpanãoéminha

CC, 37 anos


Eles têm que perceber que a grande maioria das mulheres foi, é, será vítima, até as suas mulheres, as suas amigas, o seu círculo.


Tinha 10-11 anos um vizinho insistentemente dava-me palmadas ou toques no rabo quando passava por mim na rua. Sinto nojo dele ainda hoje. Tinha cerca de 11-12 anos, um rapaz mais velho conhecido por ter problemas mentais e ser agressivo perseguiu-me por um beco e conseguiu tocar-me e agarrar-me. Consegui fugir a custo, contei na escola, fui gozada e humilhada por rapazes e lembro-me de me perguntarem se gostei. Há poucos anos vi-o novamente na rua e fiquei aterrorizada, o meu primeiro instinto foi fugir.

Tinha 13 anos, era a melhor aluna da minha turma, mas em matéria de amores e namoricos começava a dar os primeiros passos. Tinha um namorico com uma grande paixão da altura, que me propôs que fossemos dar uns beijinhos para a casa de banho das raparigas, para ninguém ver. Envergonhada, acedi porque não o queria fazer em público e pareceu-me boa ideia. Foram uns beijinhos inocentes e consensuais, próprios da idade. Fomos apanhados por uma funcionária da escola, ele disse algo como "não se preocupe que eu uso preservativo". Foi conhecido o caso na história toda, ele ficou conhecido como engatatão, eu fiquei conhecida como puta, fácil, oferecida, fui isultada por vários funcionários da escola e até professores. Este episódio desenvolveu um quadro de transtorno obsessivo compulsivo, depressão e ansiedade com que ainda hoje luto.


Até aos meus 18 anos, vários toques e homens roçaram-se em mim em autocarros, na rua, etc. Pelos meus 16, talvez, numa consulta médica de rotina, o médico, bem mais velho, apalpou-me o peito continuadamente, sob pretexto de um exame. Senti-me profundamente desconfortável e percebi, apesar de não ter qualquer experiencia sexual além das inapropriadas, que ele estava a ficar excitado. Inventei que o meu pai me ia buscar e consegui sair dali.


Universidade, talvez 19-20 anos. Bebi demais, muito mais que a conta. Estava com uma amiga, a minha preocupação era de facto metê-la num táxi para ir para casa, quando saímos da discoteca. Assim o fiz e fiquei sozinha no meio da rua, numa cidade universitária. Um carro apareceu, ofereceu-me boleia. Aceitei, despreocupada, pensei serem colegas da universidade, entrei para o banco de trás sozinha. A minha casa ficava no centro da cidade, para a direita, o carro seguiu, com 2 ocupantes masculinos, para a esquerda, em direção a uma serra.Quem não estava a conduzir virou-se para trás e começou a tentar agarrar-me e tocar-me, diziam coisas como "vamo-nos divertir, vais gostar". A bebedeira passou, percebi o que ia acontecer. Comecei a gritar, estava um carro parado com pessoas cá fora, devem ter-me ouvido ou percebido que algo estava mal, vieram atrás de nós. Entretanto mordi quem me tentava tocar e tentava sair do carro que estava trancado, batia nas janelas, gritava. Eles ficaram com medo e deram meia volta, deixaram-me no meio da cidade com um deles, o condutor (o outro arrancou, nunca mais o vi e bloqueei a imagem dele, penso que não o conheceria) ficou comigo as voltas pela cidade cerca de 2h (não queria que soubesse onde morava), não sei se para saber onde morava se para garantir que eu não ia à polícia.

Ainda na universidade, numa noite de copos, aceitei boleia de um conhecido galã (género homem-troféu) para ir para casa. Indiquei-lhe o caminho da minha casa, ele seguiu por outro, disse repetidamente que íamos para casa dele, eu disse que não queria. Aproveitei que parámos num sinal vermelho e saí do carro, metendo-me em marcha a pé para a minha, seguiu-me com o carro uns 2km sempre a dizer-me que eu sabia que queria, porque me estava a fazer de difícil, etc.


Uma outra vez encontrou-me noutra noite e insultou-me, como se eu tivesse feito algo de errado. Uns anos mais tarde encontrei-o em outra cidade, casualmente. Em outro cenário, convidou-me para jantar, aceitei, tivemos um jantar muito agradável, perguntou-me se queria ver onde estava hospedado (é uma figura semi-pública e estava num sitio francamente impactante e sem dúvida impressionante). Acedi com curiosidade, a conversa estava a fluir, senti-me segura. Assim que entrei na suite atirou-me para cima da cama e tentou ter relações comigo. Disse não. Insistiu. Empurrei, disse que não queria. Insistiu. Comecei a gritar, deve ter ficado envergonhado, apressou-se a pedir desculpas, que... Não estava habituado a ouvir um não. Saí dali o mais rapidamente que pude, veio atrás de mim e implorou-me dar-me boleia, veio a pedir desculpas o caminho todo. Este último tópico para mim está encerrado, porém ele bloqueou-me em todas as redes sociais e já passou por mim e não me falou, como se eu tivesse feito algo de errado. Tenho um amigo que, apesar de muito letrado e consciencioso, por ter sido vítima de uma mulher num caso diferente, não tem simpatia por situações de assédio. Contei-lhe apenas algumas, como contei agora a si. Mais haveria por contar, tenho na lista episódios de stalker graves, com ameaças à minha integridade física e com grandes consequências na psicológica. Ficou chocado, por acontecer a alguém tão próximo dele. Acredito na filosofia do Harvey Milk quanto aos direitos da comunidade gay: o primeiro passo é que todos percebam que há alguém que conhecem que é gay. Assim acredito neste efeito, em matéria de sensibilização dos homens. Eles têm que perceber que a grande maioria das mulheres foi, é, será vítima, até as suas mulheres, as suas amigas, o seu círculo.

Obrigada pelo seu trabalho, pela leitura, pela partilha.

Perdão por algumas palavras mais trôpegas e um eventual português menos correto, escrevi de seguida e de coração, antes que perdesse a coragem.

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